Crônica - Renascer

Olhou para o garfo, respirou profundamente. Aquela era a última garfada de sua última refeição. Tinha vivido até ali da maneira que dava, empurrando tudo com a barriga. Mantendo sempre seus pontos de vista como os corretos. A verdade é que não queria pensar de fato na vida. Aprendia algo e aquilo era absoluto, imutável. Sua visão definia as pessoas, se a pessoa tivesse um cabelo estranho, com certeza era um vagabundo sem futuro; se a pessoa usasse tatuagem obviamente tinha um defeito no caráter; Se vivia de qualquer tipo de arte, era um boêmio e drogado e lista de preconceitos não pararia por aqui. Acreditava profundamente que a única vez que a juventude poderia mudar alguma coisa, foi quando era jovem. O saudosismo inundou seus pensamentos enquanto o garfo era direcionado para sua boca. Mastigou lentamente para tentar adiar o fim. Acabaria depois daquela garfada, uma linha traçada por ele. Morreria após aquilo. A verdade é que ele se destruiria.
Tomou o último gole de sua ultima bebida e se levantou. Gostava da comodidade, mas durante aquela semana pela primeira vez na vida tinha enxergado de fato, seu filho e sua esposa estavam infelizes. Apesar de nunca falarem, percebera após um desentendimento. Ele repetiu tantas vezes seus argumentos para o filho que do mesmo jeito que uma palavra perde o sentido, o argumento se perdeu em sua cabeça. O filho queria fazer uma graduação em uma área que daria pouco dinheiro. Que impossibilitaria uma vida mais fácil, esse era seu pensamento. Durante alguns dias ele procurou em seus conceitos e análises uma forma de entender tudo aquilo e, por fim, chegou a conclusão de que ficara velho, que estava sendo duro demais e inflexível. Como então voltar a juventude, que poderia modificar todo aquele quadro? Como mudar algo tão cristalizado? Só tinha um jeito: Nascer de novo.
Durante a caminhada ate o quarto do filho, dizia mentalmente: "São outros tempos, de tudo que conheci. Eu tenho que admitir: Eu não sei de nada". Desatou os cordões do ponto de vista singular e abriu seus ouvidos para as possibilidades. Foi como o berrar de um recém-nascido e o choro não terminaria tão cedo.

" Tenho que me desculpar com você meu filho…".

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