A inspiração nas épocas antigas era ligada as musas que davam seu ar da graça aos gênios da época. O tempo passa e as pessoas continuaram com essa ideia de que a inspiração aparece assim do nada, de que quem tiver sorte será iluminado por uma luz estranha e fará uma obra de arte ou revolucionará uma área do conhecimento Bem meus amigos, venho aqui tentar junto com vocês pensar um pouco sobre essa luz divina que ilumina alguns poucos escolhidos.
Ideias surgem com ideias, como diria o grande Lavousier "nada se cria tudo se transforma". Nossas inspirações são resultados de nossa absorção diária de conteúdo, quanto mais observamos, raciocinamos em cima de algo, buscamos novos pontos de vista, pesquisamos e sentimos o que está ao nosso redor, mais nosso cérebro consegue fazer ligações entre os conteúdos e encontrar novas possibilidades.
Há muitas ferramentas que contribuem para facilitar neste processo. Começaremos por uma que aprendemos logo no Ensino Médio, a intertextualidade. Como ela pode nos fornecer inspiração?
leiam o poema de Drummond:
A quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história
João Cabral de Melo Neto quando leu esse poema olhou do ponto de vista dos três homens da historia e fez então:
Os Três mal amados
Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
(trecho retirado do site:http://www.releituras.com/joaocabral_malamados.asp)
Se quiserem ver o texto completo que foi inspirado pelo texto de drummond esta aqui.
O texto do João Cabral gerou uma interpretação da banda cordel do fogo encantado:
Viram o que um simples olhar diferente sobre um detalhe pode criar?
Essa semana nós do clave fomos presentados por um de nosso leitores (Cadim Martins), ele se inspirou em uma musica feita pelo Thiago Oberdan que foi postada aqui no blog:
A poesia:
Pintam-se os dedos
O tom da minha dor,
Descrevem os meus medos
E o meu clamor.
Ecoam minhas lágrimas
Em lentos dós,
Minha angústia trinada
Chora emudecida a sós.
Relevem a minha dor.
Relevem a minha dor.
Eis que sofre um desalentado,
E chora no colo da mãe
Um pequeno abandonado.
Atentem a eles.
Atentem a eles.
As lágrimas descem gélidas
Pelas faces angélicas
Das crianças sem perdão,
Sem direito a leite e pão.
Olha lá, veja bem!
É a mãe dorida
Que pela dura partida
Do rebento ao além
Relevem a minha dor.
Relevem a minha dor.
Sou poeta despudorado
Invadindo sentimentos alheios
Buscando nos olhos marejados
Reduzir os sofrimentos ao meio.
Atentem a eles!
Atentem a eles!
Escorrem seus suores
Secam suas esperanças
Fogem seus amores
Aumentam suas andanças.
Quanta dor meu Deus!
Quanta dor...
Esses sóis seus
Não clareiam meu negror.
Mas como delineiam
A silhueta do meu viver,
Como deliciam
As feridas do meu ser.
Nunca foi tão belo meu pranto,
Jamais puderam revelar-me,
Eis que no teu toque eu canto
Um choro que vai elevar-me.
Relevem as dores dos poetas,
Ignorem as angústias dos músicos,
Abracem as causas incertas
Calando as vozes dos murmúrios.
A melancolia da tua dor
É a paz da minha.
As tuas notas de amor
É no céu uma estadia.
12/05/2014
(Eu Martins)
Esse foi um outro exemplo da ferramenta "intertextualidade".
Galera! Esse post esta ficando grande então deixo para falarmos mais sobre sobre essa e outras formas de gerarmos a inspiração, para outras oportunidades.
Se inspirem!
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